“Tudo é memória:
um fumo leve, em mil visagens animadas; ou denso, em formas inertes e sombrias; e, ao longe, a grande fogueira invisível que
os demónios e os anjos alimentam”
(Pascoaes, “O Pobre Tolo”, capítulo I, colecção “Obras Completas de Teixeira de Pascoaes”,
organização de Jacinto do Prado Coelho, volume IX, Livraria Bertrand, 1973)
“Vivo, porque espero.
Lembro-me, logo existo”
(Pascoaes, Idem, I)
“O corpo tende para
a alma, a alma tende para o corpo. Resultado? Um corpo animado que não é alma; uma alma corporizada que não é corpo: o ser que vive”.
(Pascoaes, Ibidem, I)
“Vivemos, porque
os nossos olhos encarceram as cousas e os seres em pequenas formas limitadas. Que seria de nós se as víssemos nos seus aspectos
verdadeiros? A presença de uma árvore petrificar-nos-ia, de repente!”.
“ (…) O que
descobrimos do mundo é o que resta do seu desencanto, ao ser contemplado pelos homens; - os escombros dum incêndio”.
(Pascoaes, Ibid., II)
“As divinas Imagens
que viveram outrora, em amor e sonho, na alma dos fiéis, existem hoje, em madeira e tinta, nos altares. O português (vede
o grande mal!) sofre de desencanto e de velhice. Mumificou em formas de esqueleto, e ri, como as caveiras. Porque o riso é
máscara. Encobre sempre qualquer coisa que nos falta. O riso português encobre um Deus defunto”.
(Pascoaes, “A Beira (Num Relâmpago) ”, capítulo VII, colecção “Obras Completas de Teixeira de Pascoaes”,
organização de Jacinto do Prado Coelho, volume X, Livraria Bertrand, 1975)
“A caricatura é o
riso amarelo da alma, ante a sua origem e o seu destino: ante o Macaco e a Morte. E é, portanto, o pior inimigo duma concepção
optimista da Vida. A caricatura nasceu da morte da alma imortal. É filha da Desilusão”.
(Pascoaes, Idem, VII)
“No artista verdadeiro,
a forma deriva da emoção; brota de dentro dela e com ela. Não é um vestuário imposto ao pensamento: é a pele viva”.
(Pascoaes, Ibidem, X)
“Somos a nuvem, o
ser ondulante de incerteza, onde o Tempo adquire uma vaga figura esfumada em vagos sentimentos. Somos a melancolia, a saciedade,
talvez o instinto da nossa vida casual, fora duma divina Intenção, sucedendo-se, em virtude de mil acasos favoráveis, até
que a falta, também casual, dum só acaso nos precipite no sepulcro!
“Somos a consciência
dum Acaso, desencantado, que perdeu a divindade (…) Deus, que seria de ti se não fossem as aves e as flores?!”.
(Pascoaes, Ibid., XVI)
“Trabalhar, em Portugal,
é grande escândalo”.
(Pascoaes, “Duplo Passeio”, Parte I, I, colecção “Obras Completas de Teixeira de Pascoaes”,
organização de Jacinto do Prado Coelho, volume X, Livraria Bertrand, 1975)
“O que mais nos caracteriza
é aquele ar sonâmbulo, abstracto, aquela ideia fixa em parte alguma, aquele devaneio em pleno Vácuo, ou manso delírio extasiado
na sua própria nulidade.
“Sonhamos um sonho
estéril, incapaz de se converter em acção (…) O português olha, mas não vê, ou vê como se ouvisse, porque o absorve
uma espécie de música silenciosa, uma tendência artística inutilizada por incapacidade realizante. Mas embala-se, como esquecido,
nessa música.
“ (…) O português
é um ser indefinido; ignora o limite das coisas; não pode ter um conceito claro da existência, mas uma concepção nublosa*
sentimental. E, por isso, principia tudo e nada acaba”.
(Pascoaes, Idem, Parte I, I)
*i.é.:
nebulosa
“Só os animais avistam
a Divindade; nós o mais que podemos é adivinhá-la, num recanto ainda intacto do nosso coração. Existirá esse recanto porventura?
Existe e é profundo como a nossa ignorância”.
(Pascoaes, Ibidem, Parte I, III)
“O amor não é natural;
natural é a sensualidade e a crueldade. Basta a sensualidade para que haja vida; mas a vida humana só aparece com o amor”.
(Pascoaes, Ibid., Parte I, IV)
“A crença é tão indispensável
à ciência como à religião. O sábio acredita no que vê; o místico ou o poeta naquilo que visiona. O que se vê corresponde a
uma realidade sensível, e o que se imagina corresponde a outro aspecto da realidade. A imaginação é o sexto sentido, esse
que actua na esfera do invisível”.
(Pascoaes, Ibid., Parte I, IV)
“Temos o pavor da
morte e o da desgraça; e ainda uma aspiração insatisfeita, um desejo indefinido de outra coisa, talvez o instinto da nossa
grandeza universal, condenada a ser uma triste criatura”.
(Pascoaes, Ibid., Parte I, IV)
“Há só milagres.
Façamos o milagre da nossa libertação espiritual. Eis a grande questão, não hamlética, mas quixotesca, ibérica. Não se trata
de ser ou de não ser, mas de ser absolutamente.
E ser é querer ser. Sejamos nós, que a nossa pessoa, quanto mais destacada, mais perfeita”.
(Pascoaes, Ibid., Parte I, IV)
“Viver é vencer a
morte, animar o nosso próprio ser e a paisagem (…) Viver é ser criança, ouvir falar as árvores e as fontes, ver as asas
do zéfiro, o perfil da aurora. Viver é identificar tudo à nossa pessoa, que é uma síntese do Universo, o Universo dado numa
flama anímica”.
(Pascoaes, Ibid., Parte I, IV)
“Somos apenas defuntos
animados, pobres esqueletos revestidos dum tecido efémero ou ilusório. Nos seus fios vibram as ondas celestes, como lampejos
da consciência universal, que se multiplicam por um número que foge da Aritmética, e é tão luminoso como o génio de Pitágoras”.
(Pascoaes, Ibid., Parte I, IV)
“Deus tem de ser
afirmado e negado, pois afirmar e negar é a própria acção espiritual ou a liberdade de pensamento. Tanto serve Deus quem o
nega como quem o afirma (…) É o conflito metafísico, o drama transcendente das almas, a sua razão de ser, a força que
as sustenta à flor da vida. As almas, sem esse conflito, caem num conformismo estéril, numa espécie de castidade definhadora,
que é o culto virginal da morte”.
(Pascoaes, Ibid., Parte I, IV)
“Somos, como indivíduo,
um animal religioso; e como colectividade, um animal das selvas. Individualizar os homens, esculpir a massa informe, é dar
uma fisionomia própria a cada um, a consciência iluminada do seu ser e, com ela, o sentimento de responsabilidade e liberdade”.
(Pascoaes, Ibid., Parte I, V)
“O Olimpo e os seus
habitantes cabem nesta palavra: infância. A mocidade é já velhice, política, profissão, e uma certa loucura em que ardem ignobilmente
os últimos farrapos do nosso ser divino. A infância é uma saudade e a mocidade um remorso (…) ”.
(Pascoaes, Ibid., Parte I, V)
“A nossa vida vívida
é uma série de imagens quiméricas, mais ou menos distantes, claras ou confusas, retratando-se num fundo escuro, além do qual
talvez exista o Nada, aquela negridão sem fim que circunda as últimas estrelas”.
(Pascoaes, “Livro de Memórias”, capítulo I, colecção “Obras Completas de Teixeira de Pascoaes”,
organização de Jacinto do Prado Coelho, volume VII, Livraria Bertrand, s/d)
“As coisas que nos
cercam tomam a nossa fisionomia e dir-se-á que vivem a nossa vida. Vivem e morrem connosco”.
(Pascoaes, Idem, I)
“Que é morrer? É
penetrar na noite do Passado; é abrir a porta que se fechou, atrás de nós, quando entrámos neste mundo; é ficar do lado de
fora, em pleno vácuo infinito…”
(Pascoaes, Ibidem., I)
“A infância é um
período mitológico. Certas pessoas, que nessa idade conhecemos, foram deuses também; e não compreendemos agora a sua presença
no mundo (…) A existência diminui as criaturas, redu-las a linhas materiais, a uma presença bruta e caída sob o domínio
dos sentidos”.
(Pascoaes, Ibid., II)
“Os primeiros anos
da nossa vida têm uma extensão secular; a dos outros vai diminuindo, conforme se aproximam da actualidade…E o dia de
ontem cabe dentro de um minuto”.
(Pascoaes, Ibid., II)
“A minha imagem infantil,
onde ela vive ainda, perfeita, é na memória de minha Mãe. Ali é que ela vive ainda, como num último refúgio.
“Lá estou, adormecido
nos teus braços. Bate-me a luz nos olhos, acordo e brinco, ao sol de Deus. Vês-me a brincar ao sol de Deus, minha Mãe, como
eu te vejo nesse tempo em que andou, no mundo, a tua formosura, essa flor donde eu nasci. Vejo-a, tão corada e alegre, ao
longe, ao longe, sob uma poeira doirada, a cair do céu”.
(Pascoaes, Ibid., II)
“Para uma criança
todas as coisas têm um valor transcendente; e a sua vida é um êxtase de luz. Lembro-me ainda dessa vida inefável, e revivo-a
(…) A minha infância foi um idílio com as coisas e as pessoas: um idílio misterioso e triste. É que a infância do nosso
ser humano é já uma saudade, a velhice do nosso ser divino”.
(Pascoaes, Ibid., II)
“A saudade ressuscita
os mortos, dentro em nós; mas, se enlouquece, põe-nos a viver, cá fora, à luz do Sol. A loucura tem outra energia. Faz o mármore
e a estátua. O mundo foi construído assim”.
(Pascoaes, Ibid., III)
“A monotonia é a
repetição do mesmo milagre. A alma é tão ávida e exigente de maravilhoso que não consente a demora do mesmo prodígio, do mesmo
assombro. A luz que nos deslumbra, neste momento, horas depois, deixa-nos às escuras”
(Pascoaes, Ibid., IV)
“Os poetas pertencem
à Natureza, como as árvores e os bichos. Alguns são animais raivosos; mas não enjeitam a vida, não repelem a chama que os
abraça e ardem até à última faúlha”.
(Pascoaes, Ibid., V)
“O crepúsculo anima
as coisas, retoca-lhes o desenho nas linhas mais subtis. Podem-se contar, à tarde, as folhas duma árvore.
“Assim o princípio
da velhice dá à vida um encanto melindroso, uma delicadeza magoada pelo medo que temos de a perder. Dá-lhe um sabor a violetas.
“É a hora das trindades”.
(Pascoaes, Ibid., V)
“A saudade dos velhos
é a inocência das crianças, ressurgindo, embora triste, porque se avizinha a noite. Na inocência e na saudade, há o mesmo
sentimento da Verdade oculta nas formas enganadoras, a mesma revelação do mistério, a mesma luz (…) “.
(Pascoaes, Ibid., V)
“A vida é uma tragédia,
da qual nos esquecemos, quando os intervalos se prolongam. Esquecemo-nos nesta branda claridade de todos os dias sossegados.
Mas a corrente eléctrica interrompe-se, de súbito, e o fio que se funde desentranha-se em labaredas”.
(Pascoaes, Ibid., V)
“A saudade, incidindo
sobre o futuro, é esperança ou desejo, como é lembrança quando incide sobre o passado. O primeiro elemento da saudade é criador;
o segundo fixa e perpetua. Da acção combinada destes dois elementos resulta o existente material e espiritual”.
“ (…) A saudade
é a nossa alma e a nossa Musa. A saudade de Deus é que é Deus; a saudade da mulher amada é que é a mulher da nossa paixão,
e a saudade da Pátria é que é, realmente, a nossa Pátria”.
(Pascoaes, Ibid., V)
“O homem nasce e morre várias vezes, desde que sai do berço até que entra no túmulo”.
(Pascoaes, “O Bailado”, Prólogo, X, colecção “Obras Completas de Teixeira de Pascoaes”, organização
de Jacinto do Prado Coelho, volume VIII, Livraria Bertrand, 1973)
“A frase nova, cheia de alma, ecoa como um vagido. Por isso, muita gente a não percebe. A criatura vulgar só
entende a palavra que atingiu a maioridade, o uso pleno da razão – quer dizer, a palavra morta”.
(Pascoaes, Idem, Prólogo, XI)
“O Bem e o Mal, a Justiça, a Liberdade, eis aí letras grandes abrindo palavras ilusórias, pórticos solenes de
papelão rasgados sobre o Nada. Comédias que enriquecem os empresários. Filósofos, filantropos, apóstolos, incluindo o próprio
S. Pedro (…) É a pior gente que há no mundo! Comediantes do Eterno, saltimbancos do Divino!”.
(Pascoaes, Ibidem., Prólogo, XXIII)
“Forçar as portas do Infinito! O belo sonho desvairado! Forçá-las a tiros de revólver, como Antero”.
(Pascoaes, Ibid., Prólogo, XXXIX)
“Da Atlântida submersa em nosso ser, apenas se mostram, fora de água, dois ou três ilhéus escalvados e desertos”.
(Pascoaes, Ibid., Prólogo, XLVII)
“Graças a Deus, a infância não me deixa (…) Fui sempre uma criança que faz versos, e é capaz de estar um
dia inteiro a ouvir um passarinho ou a contemplar duma janela os altos cerros do Marão! Fui sempre uma criança que faz versos
– uma criança intimamente deslumbrada e desgostosa! Fui e sou ainda! E já lá vão quarenta e dois anos da minha vida!”.
(Pascoaes, Ibid., Prólogo, LI)
“É num absurdo que se firma a nossa existência natural. O homem é um castelo feito no ar. O que ele tem de não
existente é que lhe dá existência. O engano em que ele vive é que lhe dá a vida (…) Os mundos, que são existências,
giram no espaço vazio, essa não existência ilimitada. Assim, o homem vive através dum sonho, esse outro espaço vazio”.
(Pascoaes, Ibid., I, IV)
“O nome desfigura as cousas; é o sonho humano alastrando e submergindo tudo num dilúvio de aparências (…)
Nós conhecemos apenas as palavras, borboletas que vêm de dentro pousar um instante na boca das caveiras. Batem as asas e logo
se dissolvem no Éter…Nem um rasto, nem uma nódoa…”.
(Pascoaes, Ibid., I, XVI)
“O silêncio é a alma nua das cousas; nua e petrificada. Por isso, ele pesa sobre o mundo”.
(Pascoaes, Ibid., I, XXIII)
“A alma é filha da Loucura e irmã da Primavera”.
(Pascoaes, Ibid., I, XXIV)
“A Morte é a pessoa feminina de Deus”.
(Pascoaes, Ibid., I, XLVI)
“Deus é a sombra em si, a Sombra absoluta. O Universo não será a sombra de Deus? (…) E o sonho envolve
as sombras como um tecido sensível, quente, molhado em sangue. O sonho é a carne agasalhando a alma friorenta (…) ”.
(Pascoaes, Ibid., I, LII)
“A questão é ter ouvidos onde o silêncio se faz voz e ter uns olhos onde o Invisível se veste de aparências.
“O silêncio fala na solidão. Todas as cousas nocturnas têm um ar de quem escuta. Na noite há só ouvidos abertos
e bocas negras de fome. E a Presença invisível lá está, a querer figurar-se na penumbra…”.
(Pascoaes, Ibid., I, LIV)
“Falta-nos alguém…aquela
pessoa que nós somos realmente… (…) O que nos aflige e consome é esta ausência em que vivemos de nós próprios,
esta distância infinita que separa o homem da sua alma, do seu espectro.
“É esta saudade que
nos mata!”.
(Pascoaes, Ibid., I, LVI)
“O riso é um incêndio
que arde desde os séculos, desde o tempo em que o mundo era uma estrela. O riso é o último lampejo duma estrela, transmigrando
de alma em alma…”.
(Pascoaes, Ibid., I, LXXII)
“O mundo foi, como
é o Sol, uma esfera de oiro incandescente. Esse oiro persiste ainda em certas criaturas; corre-lhe nas veias com o sangue
e é um sorriso que elas têm…Um sorriso…vede as asas da alegria!...A alegria sai da alma, bate as asas no ar azul
e é o sorriso de certas criaturas…”.
(Pascoaes, Ibid., I, LXXV)
“A hora do nascimento
e a da morte é difícil distingui-las. A luz duma e a sombra da outra formam o crepúsculo da vida, porque a vida é um crepúsculo
entre duas noites – uma ponte de luar entre duas margens tenebrosas”.
(Pascoaes, Ibid., I, LXXXVIII)
“A terra ama-nos
de tal modo que nos devora, por fim, num acesso de luxúria!”.
(Pascoaes, Ibid., II, XII)
“Tudo deixa na terra
um sinal da sua passagem: um osso de esqueleto, uma pegada, um rastro de alma…qualquer cousa que permanece no seio das
formas transitórias: um reflexo de estrela indissolúvel na gota efémera do orvalho. A gota cintila e cai; mas a estrela, no
seu reflexo emanado, é um riso eterno mordendo todas as noites”.
(Pascoaes, Ibid., II, XXV)
“A mulher é um bailado
de nuances, como a água. A mulher é toda ela uma lágrima em tremulina de variáveis reflexos. A superfície do seu corpo espelha
o luar e o sol, e em certas noites é um braseiro de estrelas…”.
“ (…) O homem
é uma nuvem densa e listrada a fogo, uma negridão aberta em riso de tragédia, uma cópia de Jeová, esse Deus de bronze trovejante.
Ou, melhor, Jeová é a caricatura do homem, o homem exagerado em altas nuvens, pondo um trovão na voz e um relâmpago nos olhos”.
(Pascoaes, Ibid., II, XXXVII)
“Os sentimentos passam
através de nós, como os transeuntes ao longo de um caminho. São pessoas de outra natureza, de quem mal apreendemos um quimérico
esboço indefinido. Só lhes conhecemos a pegada: a lágrima que nos molha a face, o riso que nos morde os lábios”.
(Pascoaes, Ibid., II, XXXVIII)
“O homem é o caminho
por onde vêm ao mundo os Anjos, os Demónios, os Fantasmas…um caminho aberto em carne viva, cheio de pegadas misteriosas,
como se fossem de algum animal desconhecido”.
(Pascoaes, Ibid., II, XL)
“O homem é como um
cego que só vê sonhando. Sonha que vê…Nada mais”.
(Pascoaes, Ibid., II, XLIV)
“ (…) A luz,
para gerar o homem, fez-se treva. A treva é a nossa herança mais antiga.
“Todos os seres descendem
da noite; mas só o homem conhece o peso nocturno que lhe puseram às costas.
“Só ele verga e geme
sob o fardo terrível que o faz naufragar, por fim. É um bloco de bronze que o puxa para o fundo. A sua vida é um esforço constante
para se conservar à superfície. Ele sabe que um desfalecimento o precipitará no Abismo”.
(Pascoaes, Ibid., II, LIV)
“A noite simboliza
a tristeza. Porquê? Porque é doirada e negra. Como a noite, a tristeza é oiro e negrume confundidos numa fluidez vagamente
luminosa, que nos deixa pressentir a imensidade de sonho que rodeia a nossa alma (…) ”.
(Pascoaes, Ibid., III, XII)
“Há momentos em que
um fio de seda sustentaria no ar um penedo; e há outros em que o sopro duma criança apagaria uma estrela…”.
(Pascoaes, Ibid., III, XXXI)
“Eu sinto a hora que sou; e rodeiam-me as horas que passaram. As sombras de todos
os quadrantes caem sobre os meus olhos, que anoitecem de todas as noites e se estrelam de todas as lágrimas choradas…”.
(Pascoaes, Ibid., III, XXXVII)
“E as horas da minha infância? Enxame de borboletas brancas atraídas pelo sol que as queimou? E a cinza fina das suas
asas enlutou-me a alma para sempre…”.
(Pascoaes, Ibid., III, XL)
“Somos imagens evocadas
pelo Amor e pelo Ódio! Ígneas figuras que desaparecem num rasto imenso de estrelas…Vultos de espuma flutuando num mar
de lágrimas, com os olhos abertos para o sol…Perfis de aço puído, a reluzir, onde a luz grita rasgada de lado a lado…
“Somos imagens de
névoa e ferro, porque vivemos e existimos.
“Vivemos como névoa
e existimos como ferro. A vida é existência
volatilizada…um vapor de metais elevados à temperatura do Delírio…”.
(Pascoaes, Ibid., III, LIV)
“Somos a nossa casa
e todas a velhas sombras que a povoam…”
(Pascoaes, Ibid., III, LXIV)
“Nunca bebeste, em
manhãs de sol, uma gota de orvalho? É água, céu e luz. Bebê-la é comungar a Criação”.
(Pascoaes, Ibid., III, LXXX)
“Entre duas pessoas
que se amam existe o Amor. O amor separa as almas, como o céu azul separa os mundos…Há um infinito de amor entre duas
almas que se amam…”.
(Pascoaes, Ibid., IV, XV)
“Um velho é o sepulcro
duma criança. Nele jaz o cadáver dum anjo que espera ressurgir. O nosso último suspiro o reanima, e o seu vulto de luar eleva-se
da escuridão da nossa morte”.
(Pascoaes, Ibid., IV, XVI)
“A infância é riso,
crueldade, loucura e um ambiente branco de açucenas…”.
(Pascoaes, Ibid., IV, XX)
“A vida é um privilégio
da máscara, um fogo exterior, chama de álcool lambendo um esqueleto.
“A vida é um beijo
a arder sobre a face da morte”.
(Pascoaes, Ibid., IV, LVI)
“Tudo vem da Mitologia
(…) como das nuvens do céu as enxurradas deste mundo. O Homem, antes de estar ligado ao ventre materno pelo cordão umbilical,
esteve preso por um fio de quimera à Nebulosa mais longínqua…”.
(Pascoaes, Ibid., IV, LXVIII)
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BIBLOGRAFIA:
→ Pascoaes,
Teixeira de; “Livro de Memórias”, colecção “Obras Completas de Teixeira de Pascoaes”, organização
de Jacinto do Prado Coelho, volume VII, Livraria Bertrand, s/d
→ Pascoaes,
Teixeira de; “O Bailado”, colecção “Obras Completas de Teixeira de Pascoaes”, organização de Jacinto
do Prado Coelho, volume VIII, Livraria Bertrand, 1973
→ Pascoaes,
Teixeira de; “O Pobre Tolo”, colecção “Obras Completas de Teixeira de Pascoaes”, organização de Jacinto
do Prado Coelho, volume IX, Livraria Bertrand, 1973
→ Pascoaes,
Teixeira de; “A Beira (Num Relâmpago) ”, colecção “Obras Completas de Teixeira de Pascoaes”, organização
de Jacinto do Prado Coelho, volume X, Livraria Bertrand, 1975
→ Pascoaes,
Teixeira de; “Duplo Passeio”, colecção “Obras Completas de Teixeira de Pascoaes”, organização de Jacinto
do Prado Coelho, volume X, Livraria Bertrand, 1975
→ “Poesia
de Teixeira de Pascoaes”, antologia organizada por Mário Cesariny (edição de António Cândido Franco), Círculo dos Leitores,
2004.
NÓTULA:
Devemos a Mário Cesariny uma antologia apreciável da obra literária de Pascoaes e, dentro dela, dos seus "Aforismos" que
Cesariny extraiu de diversas obras. Seguindo o mesmo processo, mas à margem da citada antologia, coligimos estas citações de
Pascoaes que nos parecem fazer alguma justiça ao seu génio poético e às suas férteis inquietações filosóficas.
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