“Não sei quem me pôs no mundo, nem mesmo o que sou. Estou numa ignorância terrível de todas
as coisas. Não sei o que é o meu corpo, os meus sentidos, nem o que é a minha alma, e até esta parte de mim que pensa o que
agora digo, reflectindo sobre tudo e sobre si mesma, não se conhece melhor do que o resto. Vejo-me encerrado nestes imensos
e intimidantes espaços do universo e sinto-me ligado a um recanto da vasta extensão, sem saber porque fui colocado aqui e
não em outra parte qualquer, nem porque o pouco tempo que me é dado para viver me foi conferido neste período de preferência
a outro período de toda a eternidade que me precedeu e de toda a que me segue”.
(“Pensamentos”, I)
“Só vejo o infinito em toda a parte, encerrando-me como um átomo e como uma sombra que dura
apenas um instante e não volta”
(“Pensamentos”, I)
“ (…) Só há duas espécies de pessoas que podem ser reconhecidas como razoáveis: as
que servem Deus de todo o coração porque O conhecem, ou os que o procuram de todo o coração porque não O conhecem”.
(“Pensamentos”, I)
“A virtude última da razão é reconhecer que há uma infinidade de coisas que a ultrapassam.
Revelar-se-á fraca se não chegar a conhecer isso. É preciso saber duvidar onde é preciso, afirmar onde é preciso, e submeter-se
onde é preciso. Quem não procede assim não entende a força da razão. Há os que pecam contra esses três princípios, ou afirmando
tudo como demonstrativo, não precisando ser conhecido por demonstrações; ou duvidando de tudo, não precisando saber onde é
necessário submeter-se; ou ainda submetendo-se a tudo, não precisando saber onde é necessário julgar”.
(“Pensamentos”, V, 1)
“Não há nada tão conforme à razão como a retratação da razão nas coisas que são de fé; e
nada tão contrário à razão como a retratação da razão nas coisas que não é de fé. Dois excessos: excluir a razão, e nada mais
admitir do que a razão”.
(“Pensamentos”, V, 1)
“O coração tem suas razões, que a razão não
conhece: sabe-se isso em mil coisas. Eu digo que o coração ama o Ser universal naturalmente, e a si mesmo naturalmente, conforme
a isso se aplique; e se endurece contra um ou outro, à sua escolha. Rejeitastes um e conservastes o outro: é com razão que
amais? É o coração que sente Deus, e não a razão. Eis o que é a fé: Deus sensível ao coração, não à razão”.
(“Pensamentos”, XVI, 3)
“É uma coisa horrível sentir continuamente escoar-se tudo o que se possui e a que a gente
se possa ligar; sem ter vontade de procurar se não há alguma coisa de permanente no qual possamos confiar”.
(“Pensamentos”,
XVI, 17)
“Nunca se pratica o mal tão plena e tão alegremente como quando praticado por um falso princípio
de consciência”
(“Pensamentos”, XVI, 43)
“Os homens tomam, muitas vezes, a sua imaginação por seu coração; e julgam estar convertidos
desde que pensam converter-se”.
(“Pensamentos”, XVI, 51)
“A razão age com lentidão e com tantas vistas e sobre tantos princípios, os quais é preciso
que sejam sempre presentes, que a toda hora adormece e se afasta por não ter todos esses princípios presentes. O sentimento
não age assim: age num instante e está sempre pronto a agir. É preciso, pois, pôr a nossa fé nos sentimentos do coração; de
outro modo, ela será sempre vacilante”.
(“Pensamentos”, XVI, 51)
“O menor movimento importa a toda a natureza: o mar inteiro se modifica com uma pedra (…)
”.
(“Pensamentos”, XVI, 76)
“O acaso dá os pensamentos, o acaso os tira; nenhuma arte para os conservar ou para os adquirir”.
(“Pensamentos”, XVI, 89)
“Pois, enfim, o que é o homem na natureza? Um nada em relação ao infinito, tudo em relação
ao nada: um meio entre nada e tudo. O fim das coisas e o seu princípio estão para ele ocultos num segredo impenetrável; igualmente
incapaz de ver o nada de onde foi tirado e o infinito que o absorve. A nossa inteligência ocupa, na ordem das coisas inteligíveis,
a mesma ordem que o nosso corpo na extensão da natureza”.
(“Pensamentos”, XVII, 1)
“A grandeza do homem é grande na medida em que
ele se reconhece miserável. Uma árvore não se conhece miserável. É, pois, ser miserável conhecer-se miserável; mas, é ser
grande conhecer que se é miserável. Todas essas misérias provam a sua grandeza. São misérias de grande senhor, misérias de
um rei destronado”
(“Pensamentos”, XVIII, 7)
“O homem não passa de um junco, o mais fraco da natureza, mas é um junco pensante. Não é
preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo. Um vapor, uma gota de água, é o bastante para matá-lo. Mas, conquanto
o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que aquilo que o mata, porque sabe que morre; e a vantagem que o
universo tem sobre ele, o universo a ignora. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento”.
(“Pensamentos”, XVIII, 8)
“O homem é visivelmente feito para pensar; aí reside toda a sua dignidade e todo o seu mérito,
e todo o seu dever é pensar como é preciso: ora, a ordem do pensamento é começar por si, e por seu autor e seu fim. Ora, em
que é que pensa o mundo? Nisso, nunca; mas sim em dançar, em tocar alaúde, em cantar, em fazer versos, em correr o anel, etc.,
em construir-se, em fazer-se rei, sem pensar no que é ser rei e ser homem”.
(“Pensamentos”, XVIII, 12)
“Somos tão presunçosos que desejaríamos ser conhecidos de toda a terra, e até das pessoas
que vierem quando nela não estivermos mais; e somos tão vãos que a estima de cinco ou seis pessoas que nos cercam nos diverte
e nos basta”.
(“Pensamentos”, XIX, 4)
“
(…) É sem dúvida um mal ser cheio de defeitos; mas, é ainda um mal maior ser cheio deles e não querer reconhecê-los,
uma vez que isso é acrescer-lhes ainda o defeito de uma ilusão voluntária. Não queremos que os outros nos enganem; não achamos
justo que queiram ser estimados por nós mais do que merecem: não é, pois, justo também que os enganemos e queiramos que nos
estimem mais do que o merecemos. (…) O homem não é, pois, senão disfarce, mentira e hipocrisia, quer em si mesmo, quer
em relação aos outros. Não quer que se lhe diga a verdade, evita dizê-la aos outros; e todas essas disposições, tão afastadas
da justiça e da razão, têm uma raiz natural em seu coração”.
(“Pensamentos”,
XIX, 9)
“A imaginação dispõe de tudo; faz a beleza,
a justiça e a felicidade, que é tudo no mundo (…) “.
(“Pensamentos”, XIX, 10)
“Não ficamos nunca no tempo presente. Antecipamos o futuro como demasiado lento para vir,
como para apressar o seu curso; recordamos o passado, para pará-lo, como demasiado pronto: tão imprudentes que erramos nos
tempos que não são nossos e não pensamos só no que nos pertence; e tão vãos que sonhamos com os que já não são nada e evitamos
sem reflexão o único que subsiste”.
(“Pensamentos”, XX, 7)
“Que cada um examine o seu pensamento, e o achará sempre ocupado com o passado e o futuro.
Quase não pensamos no presente: e, quando pensamos, é só para tirar dele a luz para dispor do futuro. O presente nunca é o
nosso fim. Assim, não vivemos nunca, mas esperamos viver; e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que não o sejamos
nunca”.
(“Pensamentos”, XX, 7)
“ (…) Porque os sonhos são todos diferentes e se diversificam, o que se vê neles afecta
bem menos que o que se vê em vigília, por causa da continuidade, que não é, contudo, tão contínua e igual que não mude também;
mas, menos bruscamente, se não raramente, como quando se viaja; e então se diz: «Parece-me que sonho»; pois a vida é um sonho
um pouco menos inconstante”.
(“Pensamentos”, XX, 13)
“As ciências têm dois extremos que se tocam: o primeiro é a pura ignorância natural em que
se acham todos os homens ao nascer; a outra extremidade é aquela a que chegam as grandes almas que, tendo percorrido tudo
o que os homens podem saber, acham que não sabem nada e se tornam a encontrar nessa mesma ignorância de onde partiram. Mas,
é uma ignorância sábia que se conhece. Aqueles dentre os que saíram da ignorância natural e não puderam chegar à outra têm
alguma tintura dessa ciência suficiente, e fazem-se de entendidos. Esses perturbam o mundo e julgam mais mal de tudo que os
outros”.
(“Pensamentos”, XX, 15)
“A morte é mais fácil de suportar sem pensar-se
nela do que o pensamento da morte sem perigo”.
(“Pensamentos”, XXI, 3)
“Condição do homem: inconstância, desgosto, inquietude”.
(“Pensamentos”, XXI, 6)
“Nada é tão insuportável ao homem como estar em pleno repouso, sem paixão, sem ocupação,
sem diversão, sem aplicação. Ele sente, então, o seu nada, o seu abandono, a sua insuficiência, a sua dependência, a sua impotência,
o seu vazio. Sem moderação, sairá do fundo da sua alma o aborrecimento, a melancolia, a tristeza, a aflição, a raiva e o desespero”.
(“Pensamentos”, XXI, 9)
“Conhecemos a verdade, não somente pela razão, mas ainda pelo coração; é desta última maneira
que conhecemos os primeiros princípios, e é em vão que o raciocínio, que deles não participa, tenta combatê-los. Princípios
se sentem, as proposições se concluem; e tudo com foros de certeza, embora por diferentes vias. E é tão ridículo que a razão
peça ao coração provas dos seus primeiros princípios, para querer consentir neles; quanto seria ridículo que o coração pedisse
à razão um sentimento de todas as proposições que ela demonstra, para querer recebê-los”.
(“Pensamentos”, XXII, 1)
“Como se explica que um coxo não nos irrite, e que um espírito coxo nos irrite? É que um
coxo reconhece que andamos direito, e um espírito coxo diz que somos nós que coxeamos; sem isso, teríamos piedade dele, e
não raiva”.
(“Pensamentos”, XXIII, 11)
“A justiça é o que está estabelecido; e, assim sendo, todas as nossas leis estabelecidas
serão necessariamente tidas como justas sem ser examinadas, uma vez que estão estabelecidas”.
(“Pensamentos”, XXIV, 11)
“Os grandes e os pequenos têm os mesmos acidentes, os mesmos aborrecimentos e as mesmas paixões;
mas um está no alto da roda, e o outro perto do centro e assim menos agitado pelos mesmos movimentos”
(“Pensamentos”, XXIV, 15)
“As coisas têm diversas qualidades, e a alma diversas inclinações; pois não é simples nada
do que se oferece à alma, e a alma nunca se oferece simples a nenhum sujeito. Eis porque, às vezes, choramos e rimos de uma
mesma coisa”
(“Pensamentos”, XXIV, 21)
“Tenho como um facto que, se todos os homens soubessem o que dizem uns dos outros, não haveria
quatro amigos no mundo. É o que evidenciam os desentendimentos causados pelas informações indiscretas que às vezes se dão
a respeito”.
(“Pensamentos”, XXIV, 40)
“A medida que se tem mais espírito, acha-se que há mais homens originais. As pessoas comuns
não acham diferença entre os homens”.
(“Pensamentos”, XXIV, 45)
“O espírito crê naturalmente, e a vontade ama naturalmente; de sorte que, à falta de verdadeiros
objectos, eles precisam de se ligar aos falsos”.
(“Pensamentos”, XXIV, 49)
“Nossa natureza está em movimento; o repouso completo é a morte”.
(“Pensamentos”, XXIV, 67)
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Os "Pensamentos" em versão portuguesa:
Editado no site "O Dialético" de Thiago Maia:
http://www.odialetico.hpg.ig.com.br/filo1.htm
ou
Para download no site "Ateus.net":
http://ateus.net/ebooks/index.php